domingo, 16 de setembro de 2007

Vergonha e renúncia

A renúncia do primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe, anunciada na quarta-feira, é o exemplo de como costumam reagir certos políticos japoneses atormentados por denúncias ou suspeitas de práticas ilegais na administração da coisa pública. Envergonhados, saem de cena antes de serem julgados, como que se penitenciando pelo crime que, com essa atitude, implicitamente admitem ter cometido. Há quem peça desculpas públicas. E há quem chegue ao suicídio. Em um país antípoda do Japão, gestos como esses seriam muito apreciados pelos eleitores - estes, sim, atormentados pelas denúncias de atos de corrupção de políticos que não têm a vergonha como baliza para seus atos e, por isso, se recusam a deixar os cargos, seja qual for a gravidade das prevaricações de que são acusados.

O governo Abe vinha perdendo força política a olhos vistos e a derrota que sofreu na eleição para renovação parcial da Câmara Alta da Dieta no mês passado apenas confirmou sua impopularidade crescente. Teria muitas dificuldades para se manter no cargo.

Em setembro de 2006, quando chegou ao poder, Abe simbolizava a renovação. Era o mais jovem primeiro-ministro da história moderna do Japão e o primeiro nascido depois da 2ª Guerra Mundial. Sua tarefa não era fácil. Cabia-lhe suceder a Junichiro Koizumi, que, em cinco anos no cargo, mudara o ambiente político do país, liderara com coragem um processo de reformas estruturais que contrariava interesses de políticos tradicionais e, ainda assim - ou talvez por isso mesmo - se tornara muito popular. No início, Abe desempenhou bem a sua missão. Tinha grande popularidade e a ampliou logo após a posse, com visitas à China e à Coréia do Sul, importantes parceiros comerciais, mas históricos adversários políticos do Japão. A posição dura que adotou contra as ameaças da Coréia do Norte também ajudou a aumentar seu prestígio político.

Mas, tendo montado um gabinete que procurava agradar a todas as alas do partido governista, o Liberal Democrata, de programa e princípios conservadores, passou a enfrentar problemas criados por seus ministros. Declarações inoportunas e politicamente desastrosas foram feitas por alguns ministros; outros foram alvo de denúncias de malversação de dinheiro público.

No ano passado, o ministro da Reforma renunciou sob a acusação de fraude financeira. Em janeiro, o ministro da Saúde referiu-se às mulheres como “máquinas de fazer filhos” e criou uma situação difícil para o governo. Em maio, acusado de pedir compensações por gastos em seu escritório com eletricidade e gás, embora utilizasse o gabinete parlamentar onde esses serviços são gratuitos, o ministro da Agricultura, Toshikatsu Matsuoka, cometeu suicídio, deixando uma carta na qual pedia desculpas a Abe e à população por seus atos. O ministro da Defesa renunciou em julho por ter dito que os bombardeios atômicos contra Hiroshima e Nagasaki foram um recurso inevitável para pôr fim à 2ª Guerra. Em agosto, o ministro da Justiça admitiu ter recebido dinheiro de um grupo que recruta trabalhadores estrangeiros por conselhos que deu para acelerar a obtenção de vistos.

Com a derrota em agosto, Abe reformulou seu gabinete, convocando velhas lideranças do PLD. Mas, poucos dias após tomar posse, o novo ministro da Agricultura, Takehibo Endo, pediu demissão, por ter sido acusado de receber doações ilegais de empresas agrícolas.

O índice de popularidade do governo Abe, que superara 70% na sua fase inicial, caíra para menos de 30% nas últimas semanas. Declarando-se incapaz de cumprir as promessas que fizera, Shinzo Abe - neto de Shigeru Yoshida, que foi primeiro-ministro de 1946 a 1954, período da reconstrução da economia japonesa destruída pela guerra - renunciou, para abrir caminho a outra liderança do PLD.

O novo líder do PLD será escolhido na próxima quarta-feira. O nome mais forte para suceder Abe é o do ex-ministro do Exterior e atual secretário-geral do partido, Taro Aso. É um político que conhece o Brasil. Morou em São Paulo no início da década de 1960, como representante no País da empresa de sua família, e preside a Liga Parlamentar Brasil-Japão, que terá papel importante nas comemorações do centenário da imigração japonesa no Brasil, no ano que vem.

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