RIO - Os ministérios da Saúde e da Ciência e Tecnologia irão lançar, agora em junho, uma rede nacional de pesquisas com células-tronco. De acordo com o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, inicialmente, serão investidos R$25 milhões no programa, mas ele garantiu que “o ministério está absolutamente disposto a dar apoio institucional, técnico, político e financeiro aos grupos de pesquisa que existem no Brasil”. O objetivo, segundo ele, é criar uma rede de conhecimento que integre instituições e entidades que trabalhem com projetos em conjunto.
“É uma área em que o Brasil tem condições de estruturar um grau de conhecimento e competir com os países centrais no desenvolvimento de novas tecnologias para o futuro”, afirmou Temporão, após inaugurar o novo prédio do ambulatório de tratamento de hanseníase da Fundação Oswaldo Cruz, ontem, no Rio. “Infelizmente, o Brasil ficou três anos aguardando essa decisão. Isso foi muito prejudicial para um grande número de pesquisadores, mas é possível recuperar o tempo perdido”, afirmou o ministro.
Sobre o resultado do julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), que anteontem confirmou a constitucionalidade do artigo sobre pesquisas com células-tronco embrionárias da Lei de Biossegurança, Temporão disse acreditar que “a decisão do Supremo não foi apenas de defesa da vida, mas também permite ao país desenvolver tecnologia própria e depender menos de tecnologia desenvolvida fora”.
A Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), responsável pela autorização e pela fiscalização de pesquisas que envolvem seres humanos no país, vinculada ao Conselho Nacional de Saúde (CNS), deve passar por uma ampla reformulação, segundo defende o secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, Reinaldo Guimarães. Com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de liberar as pesquisas com células-tronco embrionárias, a tendência é que a comissão seja cada vez mais procurada para autorizações desse tipo de estudos.
Uma série de propostas para mudar a Conep será encaminhada ao CNS por uma comissão formada por técnicos do Ministério da Saúde. Outro grupo deverá ser formado para discutir um anteprojeto de lei para regulamentar as atribuições da Conep. Segundo Guimarães, a Conep, criada em 1996 por uma resolução do CNS, “tornou-se ineficiente pelo aumento exponencial da demanda” por pesquisas envolvendo seres humanos. Uma das principais mudanças sugeridas pelo secretário é que todas as decisões da Conep “sejam homologadas pelo Ministério da Saúde”. Atualmente, a comissão é autônoma em suas decisões. “Mesmo que permaneça vinculada ao Conselho Nacional de Justiça, no meu ponto de vista, deve haver um papel do Ministério da Saúde na Conep.
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Especialistas baianos comemoram momento histórico
Cilene Brito
Especialistas baianos comemoram a aprovação do uso de células-tronco pelo Supremo Tribunal Federal (STF), e afirmam que este é um novo momento na história da pesquisa científica no Brasil. No entanto, ressaltam que serão necessários muitos estudos para que a técnica seja utilizada com sucesso. Os resultados dessas pesquisas podem durar anos. Doenças neurodegenerativas, como Alzheimer e Parkinson, podem levar mais de cinco anos para encontrar respostas favoráveis.
O especialista pontua que as células-tronco originadas de embriões humanos possuem potencial para formação de tumores, portanto, os pesquisadores precisam aprender a manipulá-las com muito rigor. Ribeiro acredita que as pesquisas devem obter grande êxito nas compreensões da formação dos tumores e o sobre o processo de envelhecimento. O pesquisador pontua ainda que a Bahia já possui pesquisas avançadas com células-tronco adultas. O estado se destaca no tratamento da Doença de Chagas, no Hospital Santa Izabel, e no tratamento de doenças crônicas do fígado, no São Rafael.
A necessidade de cautela nas pesquisas é reforçada pelo cardiologista e diretor de pesquisa de células-tronco do Hospital Santa Izabel, Joilson Feitosa. O especialista afirma, no entanto, que está bastante otimista quanto aos resultados positivos da técnica. “Antes de começar a usar a técnica é necessário conhecê-la bem”, opina. O cardiologista ressalta que uma das grandes expectativas é que, no futuro, essas células possam oferecer um meio de produzir órgãos completos para transplantes. Segundo Feitosa, a possibilidade de estudos com células do embrião humano também permitirão que os pesquisadores aperfeiçoem a manipulação das células-tronco adultas que já são usadas em tratamento.
O diretor do Laboratório de Reprodução Assistida do Cenafert - Centro de Medicina Reprodutiva, o ginecologista especialista em reprodução humana Joaquim Lopes, é ainda mais otimista. Com 416 embriões congelados no laboratório, ele acredita que o material possa ser bastante útil para as pesquisas. Segundo ele, a maioria dos embriões está passível de servirem para as pesquisas, mediante a autorização dos pais. “Tenho certeza que muitos pais serão favoráveis”, opina.
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Explicações
O que são células-troncos?
As células-tronco podem se diferenciar e dar origem a diferentes tecidos ou órgãos do corpo humano. Elas possuem a capacidade de auto-renovação, ou seja, podem gerar cópias idênticas de si mesmas, garantindo uma reserva de células com capacidade de reparo, de regeneração.
Qual a diferença entre células-tronco adultas e embrionárias?
As células-tronco embrionárias são derivadas daqueles embriões de cinco dias, daqueles embriões que sobram das fertilizações in vitro. As células embrionárias conseguem se transformar em qualquer tecido do corpo humano. Já as células-tronco adultas é uma célula indiferenciada encontrada em um tecido diferenciado, que pode renovar-se e com certa limitação.
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Dom Geraldo Majella não se conforma
O arcebispo primaz do Brasil e cardeal de Salvador, dom Geraldo Majella, afirmou, indignado, que o aborto poderá deixar de ser crime depois que o STF decidiu liberar as pesquisas com células-tronco embrionárias, autorizando a continuação dos estudos iniciados após a aprovação da Lei de Biossegurança, em 2005. Ele conversou com a reportagem do Correio momentos antes de iniciar a celebração da missa das seis na igreja de Nossa Senhora das Dorotéias, ontem à tarde, no Garcia. “Será que só a Igreja pode defender a vida humana?”
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Flávio Novaes
CB - Como o senhor recebeu a decisão do Supremo?
Geraldo Majella - Em primeiro lugar, faço minha a mensagem que a Presidência da CNBB publicou. Em segundo lugar, vejo com preocupação porque muitas vezes se pensa que o legal é moral. Muitas leis são iníquas e essa é uma lei iníqua. O mundo está cada vez mais distante da moral e da ética. O quinto mandamento diz “não matarás” e a vida começa com a concepção humana, quando se unem as partes masculina e feminina e ali (no embrião) já há um destino, uma história que vai acontecer mesmo que ele seja abortado ou eliminado.
CB - Mas e os benefícios que as pesquisas podem trazer? Isso não conta? Já não se faz pesquisas em células-tronco adultas?
GM - Hoje se promete tanto, se faz tanto alarde que com o emprego das células-tronco será feito milagre. Uma das próprias defensoras das pesquisas disse que isso não vai acontecer amanhã, mas daqui a alguns anos. Parece até que tudo vai estar disponível nas farmácias em poucos dias. E com a pesquisa no embrião se interrompe uma vida, mesmo que esteja prejudicada.
CB - O secretário geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Dimas Lara, afirma que se abre um precedente com a decisão do Supremo. É isso mesmo?
GM - Agora tudo vai ser desencadeado, o aborto, tudo que estava reprimido. Não vai ter mais limites ou referências morais que possam coibir. Elas já não mais existem, mas agora não teremos também as legais.
CB - Qual o sentimento dos representantes da Igreja Católica com a decisão?
GM - Há um sentimento de inconformidade, de medo com a forma como está se tratando a vida humana. Será que só a Igreja pode defender a vida humana? E nós continuaremos a dizer que não é possível conviver com isso. Faço questão de repetir: não é porque a lei é considerada legal ipso facto (por isso mesmo) que se torna justa, que se torna boa.
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