Se for candidata, ex-ministra do Meio Ambiente trará nova agenda econômica para 2010, diz professor
Ivan Marsiglia - O Estado de S. Paulo
Esforço, ao que parece, vão. Em especial depois que o Partido Verde (PV) - que sonha em tê-la na sigla e na cédula em 2010 - divulgou os números da pesquisa encomendada ao Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe), que ouviu 2 mil eleitores em todo o País. Segundo a sondagem, feita por telefone, no confronto direto com Dilma, Marina leva vantagem em dois dos quatro cenários pesquisados. A candidata verde apresenta índices de intenção de voto de 10% a 14%, mas na hipótese de disputar com Aécio Neves em vez de José Serra, sem Ciro Gomes no páreo, atingiria surpreendentes 27% (contra 25% do governador mineiro e 19% de Dilma).
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"É uma candidatura para valer, não para marcar posição", aposta José Eli da Veiga, de 61 anos, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP). Doutor em Desenvolvimento Econômico e Social pela Sorbonne, com pós-doutorado em Cambridge, Eli da Veiga define-se como "ecodesenvolvimentista" e não esconde o entusiasmo pela novidade que balançou os andaimes da campanha presidencial essa semana.
ELI DA VEIGA - 'O Brasil terá vantagens na economia de baixo carbono'
Para o autor de Desenvolvimento Sustentável - Que Bicho é esse? (Editora Autores Associados, 2008), em parceria com a escritora Lia Zatz, e A Emergência Socioambiental (Editora Senac, 2007), tanto Serra quanto Dilma são "crescimentistas" - presos a "crenças do século passado" e estranhos à nova economia de baixo carbono que, acredita, vai marcar o desenvolvimento do mundo no século 21.
Como complicadores de uma provável candidatura Marina, o professor aponta as más companhias no próprio PV - "que abriu as portas para mil e um oportunistas" - e o tempo pífio de que ela disporia na TV durante o horário eleitoral gratuito. Mas crê que a "carismática" senadora teria a seu favor, a exemplo do que ocorreu com Barack Obama nos EUA, "uma organização de envergadura nacional que não terá caráter partidário".
O que uma eventual candidatura de Marina Silva traz de novo à eleição presidencial de 2010?Principalmente a possibilidade de dar voz a um amplo leque de movimentos socioambientais que querem colocar o Brasil no rumo do desenvolvimento sustentável. Ou do ecodesenvolvimento, expressão mais precisa desse projeto, que é para o século 21. Novidade estranha às pré-candidaturas anunciadas: Dilma e Ciro pela situação, Serra e/ou Aécio pela oposição. Todas têm a mesma cabeça cepalina de meados do século passado (referência à Cepal, Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, criada em 1948 pela ONU, que moldou o pensamento desenvolvimentista no Brasil).
Limitar-se ao discurso ambiental não é um risco para Marina?
Acho que isso não ocorrerá. Além dos movimentos socioambientais, ela também pode galvanizar sentimentos captados por pesquisas recentes: uma da MTV com a juventude, três feitas pelo Datafolha por encomenda da ONG Amigos da Terra e, sobretudo, a do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) para o Relatório de Desenvolvimento Humano brasileiro que sairá no início de 2010. Essas sondagens captaram tendências de fundo com uma surpreendente ênfase em valores - a identificação desse eleitorado com um código ético, que inclui uma preocupação com as condições de vida das gerações futuras. São pessoas que poderão votar em Marina.
Mas não é uma candidatura apenas para marcar posição?
Longe disso. Se fosse só para marcar posição e colocar o ecodesenvolvimento na agenda, sua candidatura nem seria imprescindível. Acho que Marina poderá atrair milhões de simpatizantes entre as pessoas que escolhem seus candidatos antes do início do horário eleitoral gratuito. Mas é claro que não será nada fácil ampliar essa base a partir de agosto ou setembro de 2010, pois o viés antirrenovação que rege o uso do rádio e da TV prejudica qualquer candidatura que saia desse oligopólio partidário que transformou o Senado e a Câmara em assustadores trens fantasmas.
Com tantos interesses empresariais em jogo, num momento de crise financeira mundial, uma plataforma eleitoral com foco no ‘ecodesenvolvimento’ não nasce inviável?
O grosso do empresariado está caindo na real com muito mais rapidez que o governo e os grandes partidos. Só os grupos de interesse ligados aos negócios com energias fósseis é que pressionam contra a transição ao baixo carbono e ao ecodesenvolvimento. Sob a liderança da ANP, da Petrobrás e do Ministério das Minas e Energia.
O que diferencia um ambientalista de um ecodesenvolvimentista?
A expressão ambientalista sugere uma pessoa que só se preocupa com a natureza e subestima ou ignora as questões sociais que sempre estão na essência da degradação ambiental. Além disso, há um péssimo costume de opor os ambientalistas aos desenvolvimentistas, o que é um grande equívoco decorrente da redução da ideia de desenvolvimento à de crescimento. Há exatos 30 anos emergiu a expressão "desenvolvimento sustentável" justamente para superar essa falsa oposição. E é pela mesma razão que prefiro usar o termo "socioambiental" em vez de "ambiental".
Por que o senhor costuma dizer que José Serra e Dilma Rousseff são ‘crescimentistas’, não desenvolvimentistas?
Esse é o cerne da questão. Ambos continuam com crenças convencionais do século passado segundo as quais existiria uma relação diretamente proporcional entre a taxa de aumento do PIB e o avanço do processo de desenvolvimento. Mas essa relação não é linear. Transformar crescimento em desenvolvimento depende de dois fatores essenciais: do estilo do próprio crescimento e dos arranjos institucionais que permitem canalizar seus frutos para o que mais interessa: ciência, tecnologia e inovação. E também saúde, educação, cultura, lazer, segurança, etc.
O PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), tão decantado pelo governo, não leva em conta esses parâmetros?
O PAC é um Frankenstein: mistura obras fundamentais, como as de saneamento básico, com obras absolutamente negativas, como a BR-319 (a recuperação da rodovia entre Porto Velho e Manaus, na região Norte do País, tem seu licenciamento ambiental questionado por ONGs como o Greenpeace) ou as termoelétricas movidas a combustíveis fósseis. E o pior é que as críticas da oposição ao PAC não são de conteúdo, como essas. Tucanos e demos apontam apenas a lentidão ou a ineficiência na gestão do programa.
Ninguém questiona a biografia da senadora Marina, mas teria ela condições de formar uma equipe e efetivamente administrar o País?
Muito mais do que Lula. Além de ter as qualidades carismáticas de um Barack Obama, ela é mais bem informada, culta e hábil que o atual presidente brasileiro. Estou seguro de que saberá compor uma equipe governamental capaz de colocar o Brasil no rumo do ecodesenvolvimento. Vale lembrar que Lula assumiu a presidência em 2002 em condições incomparavelmente mais precárias do que as que podem ser antevistas para o início de 2011.
No entanto, existem críticas à passagem de Marina pelo Ministério do Meio Ambiente. Comenta-se que ela apostou demais em reservas extrativistas e assentamentos e deixou os parques nacionais à míngua, além de perder embates decisivos com a Agricultura e a Casa Civil. Qual é sua avaliação?
Minha avaliação é a inversa. Nesses cinco anos e meio, Marina foi capaz de mostrar a qualquer observador atento quanto pode ser prejudicial ao futuro do Brasil a visão obtusa de que qualquer tipo de crescimento econômico favorece o desenvolvimento. Os embates que perdeu foram pedagógicos. Como estão sendo, aliás, os do ministro Carlos Minc.
Há a acusação de que o Ministério do Meio Ambiente, assim como outros setores do governo Lula, teria ‘domesticado’ as ONGs ambientalistas oferecendo-lhes contratos...
É até possível que algumas dessas ONGs tenham amolecido por causa de contratos governamentais. Mas cabe a quem acusa dar nome aos bois. Posso garantir que isso não ocorreu com ONGs como Amigos da Terra, Greenpeace, Imazon, ISA, SOS Mata Atlântica e WWF.
Mas e o PV, está preparado para assumir um projeto de envergadura nacional? Um partido que tem como líder da bancada no Congresso o deputado Sarney Filho pode mesmo representar o novo?
O PV é complicado, mas nem de longe pelo fato de ter Zequinha Sarney como líder. Ele foi um bom ministro do Meio Ambiente e continuou a ser bem visto pelos movimentos socioambientais depois que voltou para a Câmara. Se o problema do PV fosse ter um líder que peca pelo sobrenome, seria fácil. A questão é que a sigla abriu as portas para mil e um oportunistas quando esteve sob ameaça de extinção por causa da cláusula de barreira. Essa turma vai ter de procurar outras legendas se houver a tal "refundação programática" prometida pela banda boa. Mas o mais importante é que a candidatura Marina pode contar com uma organização de envergadura nacional que não terá caráter partidário. E no mundo inteiro os partidos estão deixando de ser catalisadores da inovação social como vinha ocorrendo nos dois últimos séculos. Hoje, são essencialmente o oposto: represas da inovação social.
Outro ponto mencionado por alguns é o estado de saúde de Marina, que seria um tanto delicado.
Seria bom que todos os postulantes à Presidência da República se submetessem ao diagnóstico de uma junta médica indicada pela OMS (Organização Mundial da Saúde). Minha impressão é de que a senadora se mostraria mais saudável até que o jovem Aécio.
Pelo jeito, o senhor já aderiu à campanha Marina...
Propus essa candidatura aos meus melhores amigos petistas desde a reeleição de Lula. E acho que Marina deveria ter tomado essa decisão há mais de um ano, quando se viu tangida a deixar o governo.
E em quem o senhor apostaria para figurar em sua chapa como vice? Falou-se no nome do ex-ministro da Cultura Gilberto Gil, também do PV, no do senador Cristovam Buarque, do PDT, na senadora Heloísa Helena, do PSOL...
Essa questão de escolha de vice ainda exigirá muita reflexão. Neste momento minha tendência seria pela indicação de um dos grandes empreendedores da região Sudeste que já se destacaram no movimento pela responsabilidade socioambiental das empresas.
Por que o senhor diz que a transição para uma economia de baixo carbono seria uma oportunidade e não uma restrição ao desenvolvimento brasileiro?
Porque o Brasil tem vantagens comparativas que, se forem transformadas em vantagens competitivas, lhe darão muito mais chances de desenvolvimento do que terão os demais emergentes. E construirão a competitividade sem a qual não será possível lidar com a ressurreição da China. Só se transforma vantagem comparativa em vantagem competitiva com ênfase primordial em ciência, tecnologia e inovação. Espero que essa seja a prioridade da Marina.
O discurso de Marina é avançado em termos ambientais, mas conservador em outras áreas, como o aborto (ela é contra). Isso pode gerar ruído?
Sim, gerará ruído e seus adversários tentarão explorar coisas desse tipo. Mas será que os demais candidatos vão declarar abertamente que são a favor do aborto? Sou ateu há mais de 40 anos, mas acho que pessoas religiosas como Marina tendem a seguir um código ético infinitamente superior ao da maioria dos materialistas vulgares que nos cercam.
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