quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Bahrein usou força excessiva durante revoltas, diz relatório


Comissão que investigou a repressão afirmou que não há evidências de ligação entre Irã e xiitas que lideraram manifestações

iG São Paulo 


O líder de uma comissão especial que investigou a repressão utilizada contra as revoltas no Bahrein afirmou nesta quarta-feira que as autoridades lançaram mão de tortura e "força excessiva" contra os detidos nas manifestações que acompanharam a tendência dos eventos ocorridos em países do Oriente Médio e no Norte da África, conhecidos como Primavera Árabe.


Foto: Reuters
Manifestantes agitam bandeiras nacionais do Bahrein (29/9)


Mahmoud Cherif Bassiouni - fazendo seus primeiros comentários oficiais sobre as descobertas do relatório - também afirmou que não há evidência de ligações entre o Irã e os xiitas que lideraram os protestos em uma clara repreensão aos líderes do Golfo que acusaram Teerã de ter um papel fundamental nos distúrbios do reino.

O estudo, autorizado pelos governantes sunitas do país em uma tentativa de diminuir as tensões, é o documento mais abrangente sobre as ações da força de segurança durante as revoltas que têm se espalhado pelo mundo árabe desde o início do ano.

O governo sunita prometeu não conceder imunidade a qualquer um suspeito de abusos e disse que proporia a criação de uma comissão permanente de direitos humanos. "Todos aqueles que infringiram a lei ou ignoraram ordens e instruções serão responsabilizados", disse um comunicado do governo, que afirma que o relatório reconhece que a "prática sistemática de maus tratos" terminou pouco depois de a lei de emergência ter sido revogada em 1º de junho.

O relatório de Bassiouni - lido durante coletiva na qual participou o rei do Bahrein - confirma as expectativas de que o documento seria altamente crítico aos oficiais no estratégico reino, que abriga a Quinta Frota americana. O texto completo do relatório, que abrange o período entre 14 de fevereiro e 30 de março, era esperado para ser divulgado mais tarde nesta quarta-feira.

Os xiitas correspondem a 70% da população do Bahrein, que tem 525 mil cidadãos, mas têm reclamado de ampla discriminação, como o impedimento no exercício de cargos altos no governo ou no Exército.

O relatório lançou uma luz sobre as táticas usada contra os manifestantes que já haviam sido observadas por grupos de direitos humanos: prisões em massa, expurgos dos locais de trabalho e universidades, destruição de mesquitas xiitas e abusos em casas de detenção. O documento de 500 páginas ressalta que muitos presos apanharam, tiveram os olhos vendados, foram chicoteados, levaram choques e foram ameaçados de estupro para confessarem crimes.

Os confrontos entre manifestantes e forças de segurança deixaram ao menos 35 mortos, incluindo agentes policiais. "Detentos foram torturados (...) o que prova que havia uma prática deliberada por alguns", disse Bassiouni.

Os investigadores, no entanto "não descobriram nenhum papel desempenhado pela República Islâmica iraniana". A descoberta contrasta com as alegações dos líderes do Bahrein e de aliados do Golfo de que o país persa, governado por xiitas, tinha participação na revolta.


No começo do mês, autoridades do Bahrein afirmaram que prenderam cinco suspeitos de pertencerem a uma célula terrorista iraniana que planejava ataques, incluindo um contra o embaixador saudita na capital Manama. "Você encontrou deficiências reais de algumas instituições do governo", disse o rei do Bahrein, Hamad bin Isa Al Khalifa, a Bassiouni, professor de direito penal nascido no Egito e ex-membro do painel de direitos humanos da ONU.

"Alguns podem se perguntar por que chamamos uma comissão de fora do país. Nossa resposta é: qualquer governo que tem um desejo sincero de reforma e progresso deve estar ciente do benefício da crítica construtiva."

Embora o derramamento de sangue e o caos no Bahrein seja pequeno em comparação com outras revoltas do mundo árabe - incluindo os novos protestos no Egito - o conflito na ilha ressoa de Teerã a Washington.
O Bahrein é um aliado dos EUA e Washington tomou medidas cautelosas: pediu aos líderes do país para abrir mais o diálogo com a oposição, mas evitou demasiada pressão pública.

Algumas autoridades americanas deram sinais de uma crescente impaciência com os governantes do país. Um acordo de US$ 53 milhões em armas com o Bahrein está suspenso até que seja feito um exame detalhado do relatório.

O Bahrein é visto como um ponto de inflexão na região liderada pela poderosa Arábia Saudita que não quer que seu exemplo se espalhe. O reino também é visto como uma linha de frente contra a influência iraniana. A monarquia sunita árabe e seus influentes xeques consideram quaisquer ganhos no xiita Bahrein significativos para conter o poder do Irã.

Os problemas no Bahrein não são novidade. Por décadas, os xiitas têm feito pressão para ganhar voz no governo. Seguindo a tendência da Primavera Árabe, os manifestantes xiitas ocuparam uma praça na capital Manama em fevereiro - apenas alguns dias depois de multidões terem tomado conta da Praça Tahrir, no Cairo, para celebrar o fim da era Mubarak.

Semanas depois, forças de segurança investiram contra as passeatas na Praça Pearl e impuseram uma lei de emergência. Centenas de ativistas, líderes políticas e profissionais liberais xiitas, como médicos, advogados, enfermeiras e atletas, foram presos e condenados por crimes contra o Estado em julgamentos realizados a portas fechadas em um tribunal especial de segurança que estava estabelecido durante o estado de emergência.

Três manifestantes foram sentenciados a penas de morte e muitos líderes da oposição foram condenados à prisão perpétua. Os governantes do Bahrein ofereceram algumas concessões, inclusive dando mais poder ao parlamento e abrindo o chamado "diálogo nacional" para as reformas.




Com AP e BBC



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terça-feira, 22 de novembro de 2011

Nova onda de protestos expõe dilema de futuro político no Egito



Manifestante ferido nos arredores da Praça Tahrir, nesta terça

Recente onda de protestos deixou mais de 30 mortos e centenas de feridos

A convocação de uma passeata multitudinária na Praça Tahrir, no Cairo, nesta terça-feira, expõe o dilema sobre o futuro político do Egito, dividido entre os que apoiam a junta militar no poder e os que exigem uma transição mais veloz a um governo civil.

Ativistas instaram a população a ocupar em massa a praça, pedindo a saída do Conselho Militar. Desde a noite de segunda-feira, centenas de milhares de pessoas estão se reunindo na Tahrir, palco de três dias consecutivos de violência entre soldados e manifestantes, que resultou em mais de 30 mortes e centenas de pessoas feridas. Os confrontos continuam nesta terça.


O editor para Oriente Médio da BBC, Jermy Bowen, explica que a atual crise vinha sendo fomentada há meses e gira em torno de uma questão: quem terá a palavra final no novo modelo governamental do país – o povo, via políticos eleitos, ou os generais?

Desde a derrubada da monarquia, em 1952, as Forças Armadas têm estado por trás de todos os governos do país, e controlam estimados 20% a 40% da economia.

O próprio Exército pressionou pela renúncia de Mubarak quando percebeu que este havia perdido apoio popular. Desde então, a maior autoridade do país é o Conselho Supremo das Forças Armadas, agora questionada pelos manifestantes.

Lento processo de transição

Os atuais protestos no Cairo não têm sido tão grandes quanto os que derrubaram o presidente Hosni Mubarak, em fevereiro, mas estão tendo um forte impacto nas instituições governamentais – tanto que renunciou, nesta segunda-feira, o gabinete provisório do premiê Essam Sharaf, que havia sido nomeado pelos militares. Ainda não está claro se a renúncia foi aceita.

A correspondente da BBC no Cairo, Yolande Knell, explica que, após a queda de Mubarak, os egípcios apoiaram a junta militar no comando do país. Agora, porém, muitos manifestantes se queixam do lento processo de transição a um governo civil e alegam que os militares estão se aferrando ao poder e dando continuidade ao regime derrubado pela população.

Os manifestantes também rejeitam uma proposta de mudanças constitucionais, apresentadas pelo governo interino, que preveem que os militares e seu orçamento poderiam ficar isentos de supervisão civil.
Ao mesmo tempo, a atual onda de violência coloca em dúvida as eleições parlamentares, cujo início está previsto para a próxima segunda-feira.

E os militares já propuseram adiar as eleições presidenciais para o final de 2012 ou o início de 2013, proposta que despertou críticas na oposição, defensora de que o pleito ocorra em abril próximo.

Diálogo político

Há relatos de que a junta militar estaria, nesta terça, conversando com líderes políticos, para decidir se aceitará a renúncia do gabinete de governo.

A Irmandade Muçulmana – cujo partido, Liberdade e Igualdade, é amplamente visto como um dos favoritos nas eleições parlamentares – está participando das conversas.
Confrontos entre manifestantes e forças de segurança nos arredores da Praça Tahrir, nesta terça (Reuters)
Violência coloca em dúvida a realização de eleições, marcadas para a semana que vem
A Irmandade se recusou a participar dos protestos desta terça-feira na Praça Tahrir, aparentemente porque não quer pôr em risco o processo eleitoral.

Sem o apoio da Irmandade, é possível que a marcha desta terça não alcance o número esperado pelos manifestantes para rivalizar com os protestos anti-Mubarak, no início do ano.

Além dos recentes confrontos na Praça Tahrir, há relatos de violência também em outras partes do país. Duas pessoas morreram na cidade portuária de Ismalia, no Canal de Suez, após enfrentamentos entre as forças de segurança e um grupo de 4 mil manifestantes, segundo testemunhas.

'Falhou completamente'

Em relatório publicado nesta terça, a ONG Anistia Internacional disse que a junta militar egípcia "falhou completamente em cumprir suas promessas aos egípcios, de melhoras (no cumprimento de) direitos humanos".

A Anistia diz que o atual governo manteve muitas das práticas abusivas atribuídas ao regime de Mubarak, como tortura de presos políticos e veto à imprensa crítica.

Em contrapartida, o analista Sameh Saif al-Yazal, chefe do Instituto de Estudos de Segurança no Egito, disse à BBC que a maioria silenciosa dos egípcios ainda apoia a junta militar.

"Somos uma nação de 85 milhões. Vemos alguns milhares liderando esse tipo de agressão. A maioria (da população) deseja mais respeito para o governo e a força policial", opina, alegando que os militares "não têm a ambição de se manter no poder".





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