quarta-feira, 26 de setembro de 2007

MP exige da prefeitura explicação sobre caos na saúde


Prefeito João Henrique pode responder ação de improbidade administrativa pelo abandono das unidades municipais




Mariana Rios


Aprefeitura de Salvador será oficiada pelo Ministério Público Estadual para que apresente explicações sobre o caos verificado na saúde pública municipal. Caso se confirme a omissão do Executivo municipal, o prefeito João Henrique pode responder a uma ação de improbidade administrativa. Quatro vereadores encaminharam ontem ao MP um relatório com informações sobre o descaso verificado em postos de saúde e no abandono de ambulâncias do Serviço de Atendimento Médico de Urgência (Samu) e de veículos que deveriam estar transportando agentes de combate à dengue. A promotora Rita Tourinho irá analisar o panorama descrito pelos vereadores e investigar as denúncias.


Motivado pelo assassinato em janeiro do servidor da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), o MP já analisa, com o Ministério Público Federal (MPF), os contratos celebrados pelo município para admissão de agentes de endemia e do Programa Saúde da Família. “Estamos em fase de finalização do relatório que irá apontar as irregularidades detectadas. Vamos analisar o que foi detectado pelos vereadores e somar às nossas investigações. Vamos oficiar o município buscando informações quanto ao teor do relatório”, afirmou Rita, adiantando que no início da próxima semana se conhecerá o conteúdo do relatório.


No início, a iniciativa dos vereadores, realizada anteontem, seria apenas uma visita para verificar as ações de combate à dengue adotadas pelo município. Mas o que foi descortinado surpreendeu os parlamentares. Os atrasos nos repasses para o pagamento dos profissionais da rede básica suspenderam o atendimento em alguns postos e deixam a população desassistida. Sem a visita de agentes – parados por falta de pagamentos, com o atendimento deficiente nos postos, e com 20 das 39 ambulâncias do Samu encostadas, sobrariam as emergências hospitalares, também em colapso.


Além da ausência de ações para conter o avanço da dengue, os vereadores acabaram descobrindo ambulâncias quebradas e veículos que transportam agentes de combate à dengue fora de circulação por falta de recursos. Os atrasos nos repasses para o pagamento dos profissionais da rede básica foram também verificados pela comissão formada pelos vereadores Antonio Lima, Jorge Jambeiro, Paulo Câmara e Téo Sena.


“Os repasses fundo a fundo estão sendo realizados, mas falta a contrapartida do município que tem que destinar 15% do orçamento para o setor”, afirmou Jambeiro.


Segundo ele, até agosto, Salvador recebeu mais de R$130 milhões apenas do Fundo de Participação dos Municípios. Quinze por cento desse valor são R$19,5 milhões. “Onde está esse dinheiro?”, indagou o vereador. Os problemas verificados pelos vereadores vão de ausência de médicos até materiais como luvas, por falta do repasse de recursos da prefeitura.


Até o mês passado, a capital baiana registrou 1,1 mil casos de dengue – o dobro do mesmo período do ano passado. Como o município recebe verba específica para o combate à doença, os vereadores querem uma explicação para a explosão do número de casos. Mais de 220 agentes comunitários e de combate à endemia estão sem receber salário e as visitas às casas da população, que deveriam acontecer sete vezes no ano, estão suspensas. As visitas aos postos de saúde continuam na próxima semana. A meta dos vereadores é de que as blitze abarquem pelo menos 20% do total de postos.


Situação permanece crítica


Nos postos de saúde, a situação permanece cada vez mais precária. Ontem, a reportagem percorreu novamente alguns deles. Da orla marítima ao subúrbio ferroviário da capital baiana o cenário é de precariedade nas unidades municipais de saúde. Nas emergências e nos ambulatórios faltam médicos, remédios e infra-estrutura básica. No 14º Centro de Saúde, no Péla Porco, há filas imensas.


O desempregado Rubens dos Santos, 43 anos, por exemplo, esperou três horas pelo atendimento ao filho de 4 anos. No entorno, o matagal toma conta, água empoçada do esgoto vem dos canos quebrados de uma das paredes. Em uma pequena sala, caixas de papelão se acumulam. “Será que não tem um administrador por aqui?”, reclamou. Para variar, os funcionários da unidade contratados pela empresa Conservadora Mundial também estão há dois meses sem receber salários.


Há oito dias, os 300 funcionários do posto de Pau Miúdo, administrado pela entidade, fecharam o ambulatório – apenas a emergência funciona. Os profissionais estão sem vencimentos há dois meses. “A minha última consulta de pré-natal foi marcada para esta semana, mas não tenho informação se vou ser atendida”, diz a grávida de oito meses, Aline Gonçalves, 24 anos.


Outros 110 médicos deixaram de trabalhar. Na emergência 24 horas de Itapuã, 18 profissionais não cumprem os plantões. A oferta de atendimento caiu pela metade. Há duas semanas, no início da greve, a desempregada Josefa Cristina, 31 anos, chegou ao local durante uma crise de bronquite, às 23h, e encontrou tudo escuro. “Não tinha ninguém para me atender”, lembra. Outros pacientes encontraram, a unidade fechada em plena luz do dia. O pintor de paredes Cléber Araújo, 27, denuncia a morte de um paciente vítima de ataque cardíaco, na sexta-feira passada, por falta de um ressuscitador. O gerente da unidade, Eduardo Florentino, nega a falta de desfibrilador cardíaco e diz que a morte foi ocasionada por uma segunda parada cardíaca, após a ressuscitação. Na emergência de Tancredo Neves “não tem médico, só dia de sexta-feira”, informa a aposentada Isabel de Jesus, 82 anos. O gerente da unidade, Jorge Magalhães, confirmou que desde as 19h de domingo nenhum plantonista compareceu à emergência. O secretário municipal de Saúde, Carlos Alberto Trindade, está em Brasília, e não pode ser contatado pelo Correio da Bahia.


Crise atinge também unidades do PSF


A crise na saúde pública de Salvador atinge também em cheio as unidades do Programa Saúde da Família (PSF). Responsáveis pelo atendimento básico à população, as unidades sofrem não apenas com a falta de médicos e de reposição de medicamentos e com infra-estrutura precária. Ontem, os agentes aguardavam pagamento de salários atrasados de agosto, que segundo a Secretaria Muncipal de Saúde (SMS) seriam depositados nas contas.


O PSF de Alto do Cruzeiro, subúrbio ferroviário, funciona há um ano e oito meses num espaço em cima de um bar. O local é tomado por infiltrações, as paredes estão mofadas, um banheiro foi interditado e não há ventilação. Os moradores reclamam da falta de água para os atendimentos. “A dentista quando atende as crianças tem que pedir água para os vizinhos”, diz a moradora Maria Conceição, que foi escolhida como uma das três fiscais do posto pela comunidade. Condenado pela Companhia de Desenvolvimento Urbano (Conder), o prédio onde funcionava a unidade foi esvaziado para uma reforma prometida pela prefeitura que até hoje não veio.


Funcionários da unidade, que não se identificaram, admitem a dificuldade em realizar o trabalho e informam que os medicamentos são comprados em menores quantidades por conta da impossibilidade de armazenamento. A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) suspendeu as “visitas domiciliares” feitas por médicos e enfermeiros às residências de pacientes que não podem se locomover. É o caso da aposentada Djenira Matos Oliveira, 85 anos. Cega, com ferimentos no pé e na região da bacia, ela está sem receber atendimento pelo médicos da PSF. “Nós tentamos marcar uma audiência com o secretário de Saúde (Carlos Alberto Trindade), mas até agora não fomos atendidos. A situação está péssima”, denuncia a sobrinha da aposentada, a dona de casa, Elídia Matos Oliveira.


A dona de casa Ednaldina Santos afirma que o péssimo atendimento leva as pessoas a buscarem alternativas em postos em outros bairros. O mais procurado é a unidade de emergência de Periperi, que no fim de semana sofre com a falta de médicos nos plantões. “A solução é ir para emergência do Hospital Batista Caribé ou pegar um ônibus e ir buscar atendimento em outro bairro”.


Ednaldina só não deve buscar atendimento no PSF de Ilha Amarela, onde são escassos medicamentos como antitérmicos e analgésicos e para tratamentos de hipertensão, diabetes e anemia. Como é de praxe, o pagamento do salário de quem trabalha no local também está atrasado. Estudantes de enfermagem da Universidade Federal da Bahia (Ufba) mantêm o posto funcionando, mas nada podem fazer quanto às consultas odontológicas: o aparelho de limpeza dentária está quebrado, faltam filmes de revelação para o aparelho de raios-x e luvas para os dentistas.


Uma reunião estaria sendo agendada para discutir a regularização dos pagamentos e a contratação de 225 agentes que ainda não foram incorporados ao quadro da secretaria. Outros 1.175 já foram anexados, mas, segundo a SMS, não há registro no órgão da seleção pública feita pelos 225 restantes.



Boicote ao SUS deve agravar situação


A primeira área em que o boicote da rede privada ao SUS será sentido é a de traumatologia e ortopedia, que responde atualmente por cerca de 85% dos procedimentos médicos realizados na capital. Um exemplo do colapso que se avizinha para os próximos dias é a Clínica São Bernardo, que possui unidades em Brotas e Pau da Lima. Diariamente, ambas atendem cerca de 350 pacientes por dia. Com a paralisação, todos deverão procurar os hospitais e postos de saúde públicos.


“Estamos atingindo o teto estipulado pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS), no máximo, no dia 10 de cada mês. Agora mesmo (ontem), já estouramos o limite há 15 dias”, lamentou o diretor-médico da clínica, Marcos Mascarenhas, que até fevereiro deste ano respondia pela direção médica do Hospital Geral Roberto Santos. Segundo Mascarenhas, o estabelecimento pode realizar 2.300 procedimentos por mês, recebendo até cerca de R$45 mil pelos serviços, valor que foi cortado em 25% em comparação com abril de 2006.


Referência no atendimento traumatológico em Salvador, a unidade da clínica situada em Brotas recebe em média 14 pacientes somente do Hospital Geral do Estado. “São pessoas que vêm para cá fazer um curativo, tirar um raio-X de acompanhamento, trocar gesso, fazer exames e revisões, gente que necessita do serviço e que não é atendido nas unidades básicas, pois não há profissionais e muito menos material. Os postos de saúde também os encaminham para nós”, informou Mascarenhas.


No momento, Mascarenhas garante que a clínica está atendendo pelo SUS, mas apenas os casos de urgência. “O setor de ambulatório só abrimos até o limite. Mas há casos que não podemos deixar de lado. Imagine mandar para casa uma pessoa precisando de sutura (grosso modo, “levar ponto”) ou com curativo por fazer. Isso seria desumanidade”, salientou. Para ele, que conviveu anos no Roberto Santos, grande parte da população ficará à míngua com o boicote.

“Salvador será, nesses dias, uma cidade sem assistência médica”, profetizou.


O Hospital Santa Izabel, um dos maiores da cidade com atendimento via SUS, também está limitando a assistência até o limite estipulado pela SMS. Segundo informações da entidade mantida pela Santa Casa de Misericórdia, quando o teto é batido, a unidade fecha as portas para o SUS, mantendo apenas os casos mais graves, em que não pode haver recusa de pacientes.

(JCJ)


Impacto maior na traumatologia


A primeira área em que o boicote da rede privada ao SUS será sentido é a de traumatologia e ortopedia, que responde atualmente por cerca de 85% dos procedimentos médicos realizados na capital. Um exemplo do colapso que se avizinha para os próximos dias é a Clínica São Bernardo, que possui unidades em Brotas e Pau da Lima. Diariamente, ambas atendem cerca de 350 pacientes por dia. Com a paralisação, todos deverão procurar os hospitais e postos de saúde públicos.


“Estamos atingindo o teto estipulado pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS), no máximo, no dia 10 de cada mês. Agora mesmo (ontem), já estouramos o limite há 15 dias”, lamentou o diretor-médico da clínica, Marcos Mascarenhas, que até fevereiro deste ano respondia pela direção médica do Hospital Geral Roberto Santos. Segundo Mascarenhas, o estabelecimento pode realizar 2.300 procedimentos por mês, recebendo até cerca de R$45 mil pelos serviços, valor que foi cortado em 25% em comparação com abril de 2006.


Referência no atendimento traumatológico em Salvador, a unidade da clínica situada em Brotas recebe em média 14 pacientes somente do Hospital Geral do Estado. “São pessoas que vêm para cá fazer um curativo, tirar um raio-X de acompanhamento, trocar gesso, fazer exames e revisões, gente que necessita do serviço e que não é atendido nas unidades básicas, pois não há profissionais e muito menos material. Os postos de saúde também os encaminham para nós”, informou Mascarenhas.


No momento, Mascarenhas garante que a clínica está atendendo pelo SUS, mas apenas os casos de urgência. “O setor de ambulatório só abrimos até o limite. Mas há casos que não podemos deixar de lado. Imagine mandar para casa uma pessoa precisando de sutura (grosso modo, “levar ponto”) ou com curativo por fazer. Isso seria desumanidade”, salientou. Para ele, que conviveu anos no Roberto Santos, grande parte da população ficará à míngua com o boicote. “Salvador será, nesses dias, uma cidade sem assistência médica”, profetizou.


O Hospital Santa Izabel, um dos maiores da cidade com atendimento via SUS, também está limitando a assistência até o limite estipulado pela SMS. Segundo informações da entidade mantida pela Santa Casa de Misericórdia, quando o teto é batido, a unidade fecha as portas para o SUS, mantendo apenas os casos mais graves, em que não pode haver recusa de pacientes.

(JCJ)

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