sexta-feira, 19 de outubro de 2007

“Lisboa é porto seguro para a União”

Quem esteve envolvido nas negociações para o acordo do novo Tratado da União Europeia saiu da Cimeira de Lisboa satisfeito. Abundaram as reacções, variadas, dos que ficaram de fora. Mas poderá dizer-se que houve unanimidade em torno da importância de Portugal ficar associado a este momento.




Isabel Fernandes*




(Fotos Lusa)




O primeiro-ministro português considerou que a aprovação do Tratado da União Europeia não representa “o fim da histórica”, mas permitirá à Europa partir “mais forte” para as cimeiras com a Rússia, Índia e China. “A aprovação do Tratado da UE representou um importante sinal de confiança, não apenas para a Europa, mas também para o mundo”, declarou José Sócrates em conferência de imprensa, ontem, no final da Cimeira Europeia de Lisboa. Segundo o presidente em exercício do Conselho da Europa, a aprovação do Tratado permite ainda à UE “enfrentar a questão do Kosovo numa situação de maior fortaleza institucional”. Interrogado sobre a longevidade do novo Tratado, José Sócrates afirmou ter esperança que o modelo institucional agora acordado entre os 27 Estados-membros “perdure no tempo”. “Espero que o seu nome, Tratado de Lisboa, perdure também. Claro que este Tratado não é o fim da história” e que, por outro lado, “a Europa tem demonstrado capacidade para progredir e para se adaptar às mudanças”. “Mas este Tratado está à altura dos tempos. Esperamos que possa responder aos objectivos que nos levaram a aprová-lo e que represente um virar de página”, disse. “Estamos perante um momento histórico. Os portugueses sabem bem que a importância deste Tratado decorre directamente da sua enorme utilidade para a Europa”, defendeu, antes de se referir aos interesses específicos de Portugal na sequência do acordo alcançado na Cimeira de Lisboa.




À entrada do segundo e último dia da reunião de chefes de Estado e de Governo da UE, que chegaram a acordo de madrugada sobre o texto do Tratado Reformador, que ficará também conhecido como o Tratado de Lisboa, o presidente em exercício do Conselho Europeu falou aos jornalistas: “Já tínhamos a Estratégia de Lisboa e agora temos o Tratado de Lisboa”, realçou, acrescentando que “todos os líderes europeus estão satisfeitos” sendo a capital portuguesa “um porto seguro para a Europa”. O primeiro-ministro voltou a remeter para depois da assinatura do Tratado a decisão do Governo de Lisboa sobre a ratificação do documento, por referendo ou por via parlamentar. A este propósito também o ministro dos Negócios Estrangeiros desvalorizou qualquer problema em Portugal na decisão sobre a forma de ratificação do Tratado de Lisboa. A posição de Luís Amado foi revelada à saída da reunião do último dia da cimeira europeia informal que foi dedicado ao debate sobre a estratégia da UE no combate às alterações climáticas e sobre as vias para responder à crise financeira no mercado hipotecário de alto risco.




O acordo em torno do Tratado deixou o presidente da Comissão Europeia “extremamente feliz”. Durão Barroso considerou que “o bom espírito europeu” permitiu um “acordo histórico” e salientou que o próximo desafio é conseguir ratificá-lo nos 27 Estados-membros. Para tal a necessidade de “trabalhar com os Estados-membros para comunicar às populações” que as mudanças nas instituições europeias servem o seu bem-estar. O ex-primeiro-ministro sublinhou que a UE discutia há anos as questões institucionais e felicitou José Sócrates e a equipa da presidência portuguesa pelo acordo alcançado. Igualmente satisfeito com o acordo ficou Hans-Gert Poettering. O presidente do Parlamento Europeu (PE) não demonstrou dúvidas de que as novidades introduzidas vão ser aprovadas pela euro-assembleia. Reunidos em Lisboa, os líderes europeus decidiram conceder mais um eurodeputado à Itália ante a exigência italiana de recuperar a paridade com o Reino Unido e a França. Para não ultrapassar o limite de 750 deputados estabelecido no projecto do Tratado, os 27 decidiram que o presidente do PE deixa de contar como deputado, pelo que o número total é 750+1. A solução encontrada tem ainda de ser confirmada pelo PE, mas Poettering assegurou não ter “nenhuma dúvida de que a decisão de hoje [madrugada de ontem] vai ser confirmada”. A assinatura do Tratado pelos chefes de Estado e de Governo da União já tem, não só lugar marcado – o Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa – e dia – 13 de Dezembro –, mas também a hora, segundo fonte da presidência portuguesa será às 11 da manhã.




Reacções




Entre os partidos portugueses, as posições dividiram-se. O Partido Ecologista «Os Verdes» exigiu que o Governo “cumpra o seu compromisso eleitoral” e faça um referendo sobre o Tratado. Para o secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, o Tratado é “uma má notícia para os portugueses” e exigiu igualmente que seja ratificado por consulta popular. O Bloco de Esquerda admitiu que “era previsível” a aprovação e salientou que o importante agora “é saber como vai ser o processo de ratificação”. Os socialistas louvaram o acordo e regozijaram-se por Portugal ficar “associado a mais um momento importante” na construção europeia. O líder do PP, Paulo Portas, manifestou satisfação com o acordo, alegando que permitiu à Europa sair do impasse. Da parte do PSD não houve uma reacção, uma vez que o líder parlamentar, Pedro Santana Lopes, anunciou que os sociais-democratas só formalizarão uma posição depois de reunirem o Conselho Nacional.




De entre os Estados-membros, a satisfação e optimismo eram visíveis: “A Polónia obteve tudo o que queria”, segundo o seu presidente Lech Kaczynski. Angela Merkel, chanceler alemã, concordou que “o acordo é um grande êxito e um avanço político decisivo”. “O Tratado foi aprovado, as «linhas vermelhas» foram garantidas, os interesses britânicos foram protegidos. Está na altura de a Europa se dedicar a outra coisa” foi assim que Gordon Brown, primeiro-ministro britânico, se manifestou. Da parte da presidência francesa, o porta-voz disse que “este acordo é uma grande satisfação porque é alcançado apenas 20 meses depois de [presidente francês] Nicolas Sarkozy ter avançado pela primeira vez com a ideia de um Tratado simplificado”.




Mas também do resto do mundo chegaram reacções favoráveis. Em comunicado, o gabinete do porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês saudou a aprovação do Tratado. Também o vice-chefe do comité da Duma estatal da Rússia para as relações internacionais, Leonid Slutski, considerou que o Tratado Reformador é um importante passo na via da consolidação da União. Para a chefe do Departamento da Europa do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, Edileuza Fontenele Reis, “o acordo é um trunfo da presidência portuguesa da UE e vai destravar a pauta do bloco que estava emperrada desde que França e Holanda rejeitaram a Constituição Europeia em 2005”. Para o presidente do Partido Social-Democrata da Alemanha, este acordo é, igualmente, uma “boa notícia para a Europa e para a Alemanha”, enquanto que os comunistas renovadores reiteram exigências de um referendo.




Contra




Como consensos em questões tão importantes como esta são difíceis, também houve vozes contrárias ao acordo. O responsável da Esquerda Unida espanhola, terceiro partido nacional, criticou o Tratado, que considerou um “mau sucessor” do texto constitucional por ser feito por “burocratas” europeus à margem dos cidadãos. O líder do partido conservador britânico, David Cameron, acusou o primeiro-ministro trabalhista, Gordon Brown, de tomar os eleitores por “idiotas” ao recusar referendar o texto. Também o Grupo Parlamentar Europeu Independência e Democracia considerou que o acordo quanto ao futuro Tratado Reformado da União é uma “catástrofe para a democracia”, mas lembra que a sua ratificação não está ainda garantida. Na Rússia, a aprovação do Tratado provocou preocupações, por recear que o documento conduza à realização de uma política energética única.




Mudanças




O novo Tratado Europeu vai implicar mudanças na forma como Portugal e os restantes Estados-membros são representados e exercem o poder nas principais instituições europeias, simplificando e tornando mais transparente o processo de tomada de decisões. Fontes diplomáticas e comunitárias são unânimes em considerar que é difícil afirmar peremptoriamente, se Lisboa perde ou ganha com o novo sistema de tomada de decisões, salientando que o importante, no futuro, será o grau de preparação dos representantes nacionais que defendem os interesses do País em Bruxelas. Portugal está numa União que actualmente tem 27 países e que no futuro terá ainda mais membros, o que diluirá cada vez mais o poder relativo de cada um no seio das instituições comunitárias.




O Tratado Reformador implicará alterações na forma como cada capital europeia exerce a sua influência em Bruxelas. A nível do Conselho de Ministros da UE, o Tratado Reformador prevê que uma decisão será adoptada se cumprir dois critérios: tiver o apoio de 55 por cento dos Estados-membros (ou seja, 15 em 27) em representação de pelo menos 65 por cento da população total da União. No órgão onde estão representados os governos dos Estados-membros, enquanto o primeiro critério assegura a Portugal um voto em 27, no segundo o peso de Portugal passará a ser equivalente à sua população, dez milhões de habitantes, em cerca de 493 milhões no conjunto dos 27 membros. A alteração vem dar, no segundo critério, mais «peso» aos Estados-membros com maior população que, no entanto, já tinham perdido influência noutra instituição, a Comissão Europeia, quando perderam um dos dois comissários que aí tinham anteriormente. Portugal vai assim passar a «pesar» 2,14 por cento, em vez dos actuais 3,48 obtidos através de um sistema de ponderação complicado que não tinha o «travão» do primeiro critério.




O novo Tratado prevê o abandono da unanimidade e a passagem a decisões por «maioria qualificada» em cerca de 40 domínios (designadamente na cooperação judiciária e policial, imigração e nas relações externas). Além disso, a co-decisão entre o Conselho e o Parlamento Europeu (ambas as instituições devem estar de acordo para o acto ser aprovado) passa a ser a regra geral no processo legislativo. Portugal e cada um dos outros membros da UE continuarão a poder bloquear sozinhos decisões em áreas muito sensíveis ou que toquem na soberania nacional (votação por unanimidade) em áreas como a Política Externa Europeia, Fiscalidade, Política Social, recursos próprios da UE ou revisão dos tratados.




As presidências semestrais da UE também funcionarão de forma diferente. A partir de 2009, haverá um presidente do Conselho Europeu eleito por 2,5 anos pelos seus membros, que são os chefes de Estado ou de Governo. Competir-lhe-á assegurar a coerência dos trabalhos do Conselho Europeu e funções de representação externa da UE, mas não terá funções executivas. As actuais presidências semestrais serão modificadas de acordo com uma decisão a tomar pelo Conselho, que deverá prever equipas de três Estados-membros para um período de 18 meses, as quais assegurarão entre elas a presidência do Conselho de Assuntos Gerais e dos Conselhos de Ministros sectoriais da União (Economia e Finanças, Agricultura, Justiça e Assuntos Internos, Ambiente, entre outros). Já as reuniões do Conselho de Relações Externas (ministros dos Negócios Estrangeiros dos 27) passam a ser presididas pelo Alto Representante para a Política Externa e de Segurança, o novo cargo de coordenador da diplomacia da União, que será exercido por um vice-presidente da Comissão Europeia.




As mudanças previstas no Tratado para o Parlamento Europeu designam que Portugal perderá dois representantes, a partir de 2009, uma diminuição já prevista e que foi confirmada pelos chefes de Estado e de Governo na Cimeira de Lisboa. No Tratado de Nice de 2000 já estava previsto que Portugal iria diminuir o número de eurodeputados dos actuais 24 para 22, em 2009. O Tratado Reformador prevê uma diminuição do número total de membros do Parlamento Europeu dos actuais 785 para 751. O PE vê reforçados os seus poderes de co-decisão – conjuntamente com o Conselho de Ministros –, passando a ter um papel mais decisivo no processo de tomada de decisões comuns.No que toca à Comissão Europeia, Portugal e os seus parceiros comunitários deixam de ter direito a designar sempre um cidadão nacional para a Comissão, instituição central da União, que propõe a maior parte da legislação europeia e tem uma função fiscalizadora importante da aplicação das políticas comuns dos 27. O chamado executivo comunitário contará, a partir de 2014, com um número de comissários europeus igual a dois terços do número de Estados-membros, em vez do actual sistema onde cada país tem o «seu» comissário. Os Estados-membros passam a designar um comissário para Bruxelas com base numa «rotação igualitária». Isto significa que cada Estado-membro ficará fora da Comissão uma vez em cada três mandatos de cinco anos.




(*Com Lusa)




Presidente




Acompanhou evolução




O Presidente da República foi sendo informado pelo Governo sobre a evolução das negociações do Tratado de Lisboa, mas remeteu para mais tarde um comentário aos resultados da Cimeira de Lisboa. Fonte oficial da Presidência da República ontem que Cavaco Silva “tem estado a acompanhar a evolução do Conselho Europeu” e que se pronunciará “no momento oportuno”. Na Presidência da República não estava, à hora de fecho desta edição, definido o momento em que Cavaco Silva se pronunciará sobre o Tratado Reformador, afirmando a mesma fonte que, “no momento oportuno, falará sobre o assunto. Hoje, o Chefe do Estado inaugura, em Vila Franca de Xira, o Museu do Neo-Realismo.

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