Não sei se a doutora Zilda Arns deixou algum testamento por escrito. Se o deixou, nem será preciso abri-lo, pois ela já o escreveu no coração de milhares de voluntários da Pastoral da Criança. Sua herança são as crianças mais pobres e abandonadas. Seus herdeiros somos nós, responsáveis, agora, pela obra que ela iniciou. Ouvi-la falar era participar de uma rara lição de liderança e solidariedade. De liderança: líder é a pessoa que transmite entusiasmo. De solidariedade: transmitia dois ensinamentos fundamentais de Jesus Cristo. O primeiro deles: Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância (Jo 10,10). Por isso, dona Zilda não podia entender que uma criança vivesse necessitada ao seu lado, sem que se debruçasse sobre ela. Dedicou sua vida para que as crianças, de qualquer religião ou país, tivessem dignidade e amor. O segundo ensinamento de seu Mestre fazia seus olhos brilharem quando o repetia: Todas as vezes que fizestes isso a um destes pequenos, que são meus irmãos, foi a mim que o fizestes (Mt 25,40). Morreu a serviço desses pequenos.
Por sinal, a inspiração para esse serviço, que daria origem à Pastoral da Criança, foi de seu irmão, o cardeal Dom Paulo. Ele sentia ser necessário fazer alguma coisa pelas crianças necessitadas. Mas fazer o quê? Sem ter uma resposta concreta a essa pergunta, passou o problema para sua irmã, médica pediátrica. O início da Pastoral da Criança foi humilde, perto de Londrina. Hoje, se estende por milhares de cidades e dezenas de países. Muitos dirão: “Que pena que morreu, tendo tanto trabalho pela frente!” Não será essa expressão uma espécie de acomodamento? Não será mais lógico dizer: “Que herança que a doutora. Zilda nos deixou! Quanto trabalho nós temos, agora, pela frente, para que outras crianças, pobres e necessitadas, tenham vida, e tenham vida em abundância”?
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